O mais cruel dos inimigos de Mickey surgiu nas tiras dos jornais americanos em 1939, em Mickey Mouse contra o Mancha Negra. Com trama e desenhos do mestre Floyd Gottfredson e roteiro de Merril De Maris, a história levou quatro meses para chegar ao final, com Mancha desmascarado e, ironicamente, mostrando um semblante idêntico ao do próprio Walt Disney. Apesar de ter continuado a produzir tiras com o camundongo por décadas a fio, Gottfredson nunca mais retornou à sua criação. Mickey Mouse contra o Mancha Negra também marcou a estreia do Coronel Cintra, que viria a se tornar um dos mais populares coadjuvantes do universo Disney. No Brasil, a HQ foi publicada remontada em O PATO DONALD 18 (1951). Ali, o vilão foi chamado ora de O Fantasma, ora de O Borrão (aludindo ao nome original, "Phantom Blot", algo como "Borrão Fantasma"). Em 2005, a Editora Abril publicou uma versão integral e colorizada desse clássico no volume de MESTRES DISNEY dedicado a Gottfredson.
Mancha voltaria a atacar somente a partir de 1955, desta vez pelas mãos de artistas italianos, como Romano Scarpa. Topolino e il Doppio Segreto di Macchia Nera (inédita no Brasil) partiu justamente do desfecho da HQ de Gottfredson e mostrou Mancha em busca de vingança. Em auxílio dos mocinhos intervinha Esquálidus, o amigo de Mickey vindo do futuro. Depois disso, seria comum ver o homenzinho ajudando a derrotar o vilão. Em O Roubo da Pérola Vermelha, desta edição, temos bom exemplo disso.
Quando uma dessas antigas tramas italianas foi publicada no Brasil, em meados da década de 1960, o vilão acabou estranhamente rebatizado de Borrão Vermelho (mesmo já tendo sido chamado pelo definitivo "Mancha Negra" poucos meses antes). O caso ocorreu com O Papagaio do Cientista, também de Scarpa, onde Mancha assinava seus bilhetes com um... borrão vermelho! (nas republicações, esses prováveis equívocos de cores e nomes foram eliminados). No final, era novamente desmascarado.
Aliás, aparecer sem máscara é comum nas produções da Itália (e só lá). No limite, Mancha chega a atuar por toda uma HQ em trajes civis, como em Os Autorroubos, nesta edição, que também ilustra o lado inventor do personagem. Noutra HQ mostrada nas próximas páginas, O Caso Finíssimo, o leitor poderá ter contato com o trabalho do artista italiano Casty, considerado um seguidor do mestre americano Paul Murry, justamente o reformulador do vilão e responsável pela popularização do Mickey detetive.
Foi Murry quem, em 1964, trouxe Mancha Negra de volta à produção em sua terra pátria. O artista deu ao personagem um ar menos soturno. Seus trajes ficaram mais curtos e seu lado irônico, acentuado. A mudança acabou por revelar um vilão mais cômico, que muitas vezes ia parar na cadeia por conta de suas próprias trapalhadas. Seu objetivo de destruir o arqui-inimigo Mickey foi desviado para outras direções, mais mundanas, com roubos espetaculares, seqüestros e assaltos mirabolantes. Sua satisfação passou a vir de enganar a polícia e desafiar a inteligência de seus perseguidores. Essa nova fase foi iniciada com A Volta do Mancha Negra (que estreou no Brasil no ano seguinte e em 2006 foi republicada em AVENTURAS DISNEY 17).
Murry ainda proporcionou encontros interessantes entre Mancha e outros personagens Disney, como Superpateta, Professor Pardal, Metralhas... e Madame Min. Em A Bruxa Adormecida no Bosque (1965, republicada em AVENTURAS DISNEY 48, de 2009) teria início um romance platônico singular. Ali, Min descobria-se perdidamente apaixonada pelo bandido, para desespero dele.
Os artistas brasileiros, mestres em explorar as verves cômicas e inusitadas dos figurões Disney, não deixaram mais o pobre vilão em paz: foram criadas pelos Estúdios Abril diversas histórias mostrando uma idolatria crescente da bruxa, que chega a se transformar em Mancha Cor-de-Rosa na tentativa de conquistar seu amor bandido. No auge, houve o delírio do amor supostamente correspondido mostrado na SÉRIE OURO DISNEY 4 (1987).
A produção nacional, a propósito, é marcada pela criação de parentes e alter egos para os personagens Disney. Com Mancha Negra não foi diferente. Aqui ele ganhou sobrinhos (os trigêmeos encapetados Os Manchinhas, pela infalível dupla Saidenberg & Herrero), um parente (vergonha!) honesto, o Mancha Branca, além de antepassados mostrados rapidamente numa galeria de fotos em A Ovelha Branca (TIO PATINHAS 114, de 1975).
E, falando em parentes, em Uma Historinha para a Filha do Mancha (publicada em MICKEY 505, em 1991) os americanos Lee Nordling e Stephen DeStefano mostram o vilão em cena doméstica com sua filha, cujo nome não é citado (e que nunca mais voltaria a aparecer). O surreal fica por conta de ambos trajarem-se ao estilo sombrio criado por Gottfredson, como se fossem entidades sinistras, não humanas.
É notável que, diferentemente dos italianos, tanto Murry como os demais artistas conterrâneos que lhe seguiram trataram o manto negro como parte indissociável do personagem. A produção brasileira seguiu essa linha, ocultando ao máximo os traços humanos por sob aquelas vestes.
Mas tudo tem exceção: uma curiosidade final e pouco conhecida... Mancha Negra foi desmascarado por Mickey no final da HQ brasileira O Caso das Quatro Manchas, de 1984 — talvez a única produção dos Estúdios Abril em que tal evento ocorra. Com roteiro de Ivan Saidenberg e desenhos de Verci de Mello, ali o vilão mostrou um rosto bastante parecido com aquele que lhe dera seu criador, Gottfredson. Anos depois, ainda poderíamos vê-lo noutra produção nacional sem o traje, apenas enrolado numa toalha, enquanto o roteirista brincava com o enigma do rosto do bandido, ocultado dos leitores por um providencial espelho.